sexta-feira, 27 de maio de 2011

Poema: Lumiar



LUMIAR
para Daniela Asth
A densidade da mata
fechada no verde intenso.
Meu coração bate como
uma carpa no rio gelado.
Essa lua que adentra
a cabana serrana
é a mesma que molha os olhos.
O movimento da água
na escura madrugada
se assemelha à gota vermelha
na veia cava.
Minha alma serenada
cava passos num chão de barro
e ressoa o frio.

Marcelo Asth

sábado, 14 de maio de 2011

Poema: Naufrágio

NAUFRÁGIO


Da forma lenta
que você me vê -
da mesma forma
que o sargaço me engole -
tenho três olhos,
duas bocas, solidão
e um pulmão
que pouco ar
talvez console.
Da forma pura
que me empurra
os teus sinais
é que segura
o teu jogo,
vai e vem.
Sou o teu barco
à deriva,
solto derivando
em teu desdém.
Tantos naufrágios
vêm águas elucidar.
Das formas breves
que me levam a afogar.
Este sinistro abraço
quebra os silêncios
e vai quebrando os cascos
de embarcações.
Todo o devir
que acaba a vir
me revirando,
é um sufrágio
em águas tortas,
mornas, mansas,
teu remanso de monções.

León

domingo, 8 de maio de 2011

Poema: Religião


RELIGIÃO

Vomitar nos vãos das catedrais
soluços impregnados de espanto,
espiando o expiar dos santos
em milhares de contas de rosários.

Um terço do que sou está rindo de mim.
Nenhuma confissão pode vazar minh'alma;
distribuo a hóstia dos sacrilégios
e o vinho tinto das desgraças.

Minhas preces não chegam a Deus -
colidem na abóbada e despencam no altar.
O alto campanário é triste como um purgatório
e tão irrisório pros céus é o meu penar.

Dinorah Lima

sábado, 7 de maio de 2011

Borboletário

BORBOLETÁRIO

serei desta terra enquanto borboletas baterem suas películas vitrais à procura da luz que aquece meu casulo. E quando amanhecer o dia outro num rasgo de sol ao romper da aurora, direi que, andarilho poente, resgatarei o fio que deixei na teia de uma outra terra, que é a terra do agora.

Marcelo Asth

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Poema: Estradas

ESTRADAS

Eu tenho ar, direção, vidros e travas
e estradas com vivos olhos-de-gato.
Perco meus freios numa curva fechada
e capoto, capoto, capoto em abismos.

Quem se pôr na minha frente
que se atropele trôpego,
pois meus faróis estão apagados
nas curvas noturnas e serranas de mim.

Marcelo Asth