segunda-feira, 25 de julho de 2011

Poema: Auto-combustão

AUTO-COMBUSTÃO

Eu me possuo vermelho
Tanta tirania
Meu coração dispara
Tiro à queima-roupa
Mas tudo queima
Meia veia teima
E não me poupa

Eu me torturo centelha
Presa no paiol
A plantação toda em volta
Se revolta em jogo
Mas nada aquece
Esquece, cresce, tece
Ateia o fogo

Eu me explodo aparelho
De frouxo botão
Um homem-bomba-brinquedo
Feito estupidez
Que se escangalha
Calha, tralha, falha
Em sua nudez

Eu me provoco espelho
Auto-combustão
Que minha boca incendeia
Como punição
Mas tudo pulsa
fuça, avulsa, expulsa
vira carvão.

Marcelo Asth

Poema: Olimpo

OLIMPO
para Rafael Rodrigues

A Morte de Jacinto - Jean Broc

Me pegou pelos seus braços
Como bebê embalado,
Ovelha desnovelada,
Como bicho em sacrifício.
Não derramou o meu sangue,
Mas o fez em ebulição.
Meus sentidos em acordo,
Desacordados em adoração...
Me levou ao alto templo,
Num tempo de devoção.
Num cume de nuvens turvas,
Me encaminhou pelas curvas,
Doido de alucinação.
Oferenda para a chuva
Em ditirâmbicos ruídos.
Psique e seu Cupido
Na doce festa da uva:
Meu carinho ele bebeu.
E ali, nos braços teus,
Me vi na alma de um deus.
E como presa na flecha
de Artemisa - acredite -,
Me vi no colo de Apolo
E nos seios de Afrodite.
Em tanto zonzar e delírio,
Nos ventos de seus rituais,
Morri como Jacinto, num lírio,
Formoso e inscrito de ais.

Marcelo Asth

sábado, 23 de julho de 2011

Poema: Sísifo

SÍSIFO



O herói absurdo
Empurra sua alma no mundo,
Rolando deserta de sonho,
Sedenta de algum sentido.

Ao mito sou remetido.

Sabendo-se nada -
Jamais tudo tendo sido -,
Busca a tarefa árdua
Que nunca se torna completa.
No ritmo ilógico e ágil,
Escasso é o tempo da meta.

Remeto o fato ao mito.

Se a alma tem peso de pedra,
Cada passo é infinito.
Toda distância que medra
São ganho e perda em conflito.
A vida dissolve no esforço
E inútil se perde no atrito.
Rolando resolve o esboço
Do paradoxo vazio.

Se cansa o que é difícil,
Se o topo é interdito,
Tentar é um verbo de vício
Em vão no caminho do rito.

Por fim, retorno ao início.
Remeto ao mito – repito.

Leva a alma o herói aflito.
No ímpeto mágico, o suplício:
Traduz-se no destino trágico
De rolar do precipício.

León Bloba

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Poema: Somos

SOMOS
para Rafael Rodrigues

Vamos ocupar de vez, amor
Todas as lacunas que vierem mais
Somos bem mais velhos que os imortais
Somos testemunhas dos oráculos astrais

Penso em você em vez de amor
Todas essas vezes em que olho para trás
Somos bem maiores que os astros siderais
Fomos nomeados deuses mais que universais

Quero derrubar o mundo, amor
Todas as colunas dos palácios dos reis tais
Somos mais história que todos os ancestrais
Temos mil milênios antes dos orientais

Peço para transformar, amor
Todas as loucuras que no mundo são banais
Somos liberdade bem acima de ideais
Somos carne e unha, pêlo, apelo, aperto e paz

Marcelo Asth

sábado, 16 de julho de 2011

Poema: Sombras

SOMBRAS

Vultos que escorrem
se debandando,
brincam de sombras
se escondendo.

E por aqui rodopiam velozes.
Cegos morcegos sugam madrugada.
E todo o mistério das frutas.

Avantesmas em trajeto insólito,
bebem do suco que cai das estrelas.
Zarpam objetivos ocos,
na sonolência ultrasônica,
topando cortantes, aflitos,
vãos dos galhos pretos, disformes.

Donos do céu da meia-noite;
filhos da lua - que ainda dorme.

León Bloba 

Lembrança de León - desabafo

Meu irmão León mandou-me este poema sertanejo, parecido com cordel - abaixo postado. Ele, antes de sua morte, passou uns tempos por lá, torrando a pele no sol e passando necessidade. Ameaçaram ele de morte, mas ela veio por conta própria, sem dar ouvido à ameaça. Ele nunca tinha me falado sobre sua viagem ao nordeste do Brasil, mas agora, ao receber esse poema, deu pra sentir um pouco o que ele retrata. Talvez ele tenha outros sobre essa experiência. Espero que León esteja me contando tudo o que não me contou em vida. Gosto de decifrá-lo e, através dos poemas, eu consigo estabelecer uma proximidade maior com meu irmão.
León, poeta morto, irmão misterioso, guardo este e os outros seus (e de todos os que me aparecem do nada) no beliche em que dormias.

Será que é você, León, que traz os poemas dos outros poetas até a mim? Sei de Marcelo, que é vivo (não quero contato com ele, tenho minhas razões) e dos outros (mais esporádicos - ver no blog) que não sei se já se foram. Mas o fato de você escolher certas letras de certos alguéns quer me dizer algo que é grandioso. Fico aqui tentando decifrar o teu mistério.

Você, León, não é só lembrança. É uma saudade que se faz febril, pois eu fico inventando memórias (que às vezes duvido se são reais ou projeções) de quando éramos irmãos. Talvez só hoje eu perceba sua grandiosidade. Coisa de estrela que pisca.

Você me mostra que a vida é breve, mas que mesmo depois dela, a poesia continua chegando.

Eu durmo aqui na cama de baixo, recebendo poemas, com medo, com ansiedade, com raiva, com alegria... depende muito do meu dia.

Não me sinto capaz de revelar os teus enigmas. Mesmo assim, em meio a tanta loucura, sinto-me com mais lucidez por entender que o mundo não é coisa pra ser entendida.

Com saudade e lembrança,
Bloba 

Poema: Lugar Comum

LUGAR COMUM
 
 
 
Pra quem não conhece tanto -
Por ser tão longe e distinto -,
Sertão é terra de pranto,
Sertanejo é um faminto.
E pra ilustrar este canto
Posso investir no que sinto
Sobre esta terra de santo,
Lugar comum que eu pinto:

Semi-árido o cenário
De uma palheta singela
Que o solo desdobra vário
Do quadro de uma janela,
Mostrando o pincel precário
Em que a tinta se revela -
No laranja agrário e diário;
No acre, o ocre da tela.

No solo rachado vinga
O mandacaru formado.
Sem flor nem chuva que pinga,
Cresce forte e empoeirado
Com espinhos de seringa
Que apontam pra todo lado -
Vence e teima a caatinga
No que pode neste quadro.

A secura o tempo estica:
A sede da água é sonho.
Rio temporário fica
Na memória em nó medonho.
O roçado, uma coisica
Vazia num chão pidonho.
O leito, a água não bica.
No eito, um jeito tristonho.

Encangado, o sol a pino,
Quente torra o desertão,
Ditando todo o destino
De quem mora no Sertão.
Sobre o cambito fino,
O equilíbrio torna em vão
A força que faz o menino
Pra ficar de pé, então.

Em riba do barraco torto,
Um abutre emburrado
Avista um bezerro morto
Que em esqueleto está moldado.
Descansam num desconforto
Os ossos de seu passado,
Enquanto, de olhar absorto,
Mira o abutre esbugalhado.

Por baixo da telha quente,
Entre as paredes de adobe,
No pavio da vela ardente
A chama sabe que sobe
Só pra levar do doente
A dor que quiçá o afobe,
Quando orando bate o dente -
Que a alma a morte não roube.

Nas brenhas que a fé alcança,
Se coisa ruim ou maleita
Desafiam a esperança,
O sertanejo se ajeita.
É com a fé que ele avança;
Seu altar ele enfeita,
Pondo ali sua confiança
Pra ver se tudo endireita.

Num lampejo em que se lança,
Pra ver se a vida melhora,
Entrega-se em desvairança
O sertanejo que ora.
Enquanto espera a bonança,
Nem olha o mundo lá fora –
Que o mundo é seco e cansa
Praquele que agora chora.
 
León Bloba

sábado, 9 de julho de 2011

Poema: Bueiro

BUEIRO



O poema explode o dia
Como a tampa de um bueiro,
Por não saber de silêncio,
Derrubando o sigilo.

Estrondo de parar trânsito,
Cachão que espoca vida,
Palavras a mais que se espalham.
Proeza provém da poesia.

É próprio fazer este alarde.
Como se aplica, é estúrdia.
Somente porque ele respira.
Semente porque ele é balbúrdia.

Vazão com toda a sua força -
Verão do bueiro estilhaços.
Manchete que jorra a farra
Diante de olhos tão baços.

Falando do nunca falado,
O poema se arremessa
Rompendo com todo o sentido -
Perigo de quem vive a pressa.

Altamente corrosivo,
Chovendo na rua repleta
Sobre os chapéus que protegem,
Como uma chuva de setas.

Imprime naquele que oprime,
Margeia as linhas do lado,
Esfola com tanta coragem,
Mitiga o cristalizado.

Esmola pro oprimido.
Audácia pro conformado.
Escola pro dividido.
Certeza pro descolado.

O poema tudo desnuda
Em sua natureza pelada,
De mostrar o que está escondido
Dentro deste “fazer nada”.

O poema explode a tampa -
Grande parte está por baixo.
Estampa o olhar que espanta
O marajá e o populacho.

Todos vêem o que incomoda.
Na moda da mídia, a notícia.
Nos centros, nas bordas, na roda,
Ataca a esbórnia política.

Cada bueiro que explode
Muita coisa evidencia.
Quem não vê que se acomode
No que pode a hipocrisia.

Assim sempre, assim sendo,
Toda vez que sigo andando
Estouro um bueiro na rua
Quando me pego pensando. 

Marcelo Asth

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Poema: Eclipse

ECLIPSE

Eu estava em eclipse
Mirando teu sol em minha sombra,
Alinhado ao teu campo de atração.
Teu corpo celeste
Brincando de se esconder no meu
Justapôs-se camada
Na montagem de uma imagem
Em comunhão sideral.

Marcelo Asth

Haicai: Arrebol

ARREBOL

Tarde colorida
que em arrebol se finda -
aí cai o sol.

Marcelo Asth

Poema: Fragmento

FRAGMENTO

Rompem as portas.
Sopra o tempo.
O velho tem poesia
Pra contemporizar.
Conversa com o tempo
Em telepatia -
O velho se completa
Ao se contemplar.

Abrem as comportas.
Jorra a memória.
O velho é a experiência
De se resgatar.
Com verso no tempo
Da reminiscência -
O velho se desvenda
Ao se reinventar.

Alisam as barbas.
Escorre a história.
O velho é a saudade
Ao tempo saudar.
Futuro presente passado,
O antes-até-agora invade -
O velho espera na esfera
Ao se fragmentar.

Marcelo Asth