segunda-feira, 27 de maio de 2013

Poema: É


É

.Eu me encontro é no desencontro.
.É no instável que me sinto pronto.
.Em início de frase é que uso ponto.
.É estando parado que mais fico tonto.
.É seguindo reto que me ponho torto.
.É sendo navio que me sonho porto.
.É estando vivo que me sinto morto.
.É estando vivo que me sinto morto.
.É estando vivo que me sinto morto.

Marcelo Asth
(2006)

Poema: Bodas de Sangue


BODAS DE SANGUE

Lá vem a velha requitivelha
Com a navalha para esconder...
Seu outro filho morreu em batalha -
foi a navalha que o fez morrer.

Seu filho novo tornou-se noivo
De uma mulher que quis o inimigo
Em seu passado tão mal passado
Que foi buscar pra ti um mais amigo.

Lembra que quando de casa sair,
Sai então como estrela.
Fartura de uva e rami!
Os frutos nascem para vê-la.

Tão bela noiva, tão desgraçada.
De um homem, de braços pobres
Para um braço rico que trabalha
Pra juntar seus ricos cobres.

Mas o amor - que traiçoeiro! -
Vem a galope num trote de arqueiro
Que em movimento acerta o peito em cheio
E trás de volta a moça ao seu recreio.

Então a nora vai-se embora
(é seu destino e agora chora),
Com um felino, pai de um menino
Que nesta hora está a ninar.

O cavalo não bebe mais a água,
A navalha não desfaz a mágoa.
Põe-se a triste mãe então a chorar.

Lá vem a velha requitivelha,
Não tem navalha para esconder...
Seus pobres homens foram em batalha,
Com a navalha que os fez morrer.

Marcelo Asth
(2007)

Poema: Poema do Instante


POEMA DO INSTANTE

Um instante só.
Eu, poeira das nuvens,
Entre sombras do tempo
A cumprimentar fantasmas
Numa rua molhada de chuva...
E os olhos fechados,
Para sempre.

Marcelo Asth
(2006)

Poema: Camelos


CAMELOS

As patas dos camelos
Pisoteiam areia em grão.
Andam léguas, amaciando caminhos,
Queimando no calor que sobe do chão.
E que corcovados montes nas costas
Sem Cristo pra abençoá-los...
Vão solitários, apenas vivendo pra andar.

Marcelo Asth
(2004)

Poema: Endorréico


ENDORRÉICO

Desfaz na foz
O leito e o jeito
De fazer curva
Da água turva
Que chega ao mar.
Mas que mistério
É o endorréico...
Rio desliza em liso desrio
E faz-se mar.
Dentro do mar tem rio.
Dentro do rio tem mar.

Marcelo Asth
(2006)

Poema: Suicídio


SUICÍDIO

Se senta no parapeito e pensa.
Sessenta segundos imersos no ar.
O mundo girando nos traz a tontura
De pensar.

Se tenta num súbito pulo...
Setenta segundos imerso no ar.
A mente pulsando nos traz a tortura
Do pesar.

Marcelo Asth
(2006)

Poema: Vento


VENTO

Eu vento
E só assim eu apago as lembranças,
Torrentes, borrascas, procelas,
Livro minha alma das celas
E reinvento a esperança.

Assim,
Dou o grito do século
Com um toque de lástima,
Faço escorrer uma lágrima
E eu inundo o deserto.

Eu vento
E só sendo vento
Eu sopro o lamento
Pra longe de mim.

Marcelo Asth
(2005)

Poema: Domingo


DOMINGO

Morreu em minhas mãos
Um domingo de sol.

Marcelo Asth
(2005)

Poema: Riacho


RIACHO

Acho que o riacho ri
Na perda entre as pedras,
No canto entre cantos,
No leito em que dorme,
Correndo, escorrendo.

Acho que o riacho ri.
Sim, ri.
Acho que ri de mim,
Mas ri baixo.

Acho que o riacho ri.
É o borbulhar das águas
Que ri das minhas mágoas.

Mal sabe o riacho que nasceu de minhas lágrimas.

Marcelo Asth
(2005)

Poema: Os Grilos


OS GRILOS

Onde estão os grilos de minha companhia?
Por quais outras trevas andam trilando?
Fico a esperar, contando estrelas...
O ócio do sofrimento
É descontentamento
E sinto falta dos meus grilos,
Minha distração na noite inquieta
Do meu coração ferido.

Marcelo Asth

Rio de Janeiro, 11 de março de 2007





Poema: Distração


DISTRAÇÃO

Emudeci porque murmurava meu nome.
Não sei se se lembra,
Mas vinha vestido de noite,
Olhos baixos, jeito frio.

Pediu a minhas mãos que o guiasse –
Seus caminhos eram tortos.
Eu me distraía.

Pediu a meus olhos
Que o iluminasse –
Era breu a noite sua.
Eu me distraía.

Pediu asas ao meu encanto –
Já me distraía tanto
Que tudo lhe concedia.

E já em outro tempo,
Envolto em outra magia,
De longe eu via
Você que voava...

Ainda me espanta!

E a distração era tanta
Que eu nem reparei
Que já te amava.

Marcelo Asth
(2005)

Poema: Quero


QUERO

Quero de Lorca, seu gris,
A melancolia de Clarice,
De Quintana, sua velhice,
De Vinícius, o amar feliz.
Quero a delicadeza da flor
Que é bela, mas me espanca
Com sua poesia.
Quero um mar de palavras
E eu, sendo ilha,
Brincarei nas ondas dos versos
Como fazia Cecília.
Escreverei minha tragédia,
Transcreverei o meu fardo
Com os arabescos das letras
Da pena do Bardo.
Quero a canção para o filho do rei
Que a aia de Quintana cantou à noite.
De Castro Alves, quero o açoite,
Que é seu grito pra liberdade.
Quero saber toda a verdade!
Quero cantar a primavera!
Quero os vermes de Brás Cubas
No enterro de minha última quimera.
As idéias novas de Arnaldo Antunes ou Melamed:
Eu quero! Eu quero! Eu quero!
Mas eu não sei a quem se pede.
Quero as pessoas de dentro de Pessoa,
Cada uma com um jeito.
Quero todo o amor do peito
De todos os versos que ouvimos,
Toda a dureza que lemos
Em Lara de Lemos.
Ouvir estrelas com Bilac,
Ter a esperança de Drummond,
De Gullar, o ataque
E rimar o que é bom.
Estarei sempre querendo,
Querendo atingir minha meta
E talvez com tudo isso,
Um dia me torne um poeta.

Marcelo Asth
(2004)