segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Poema: Provérbio


PROVÉRBIO

Para boa palavra,
Meio entendedor basta.
Quanto mais ando por perto,
Mas minha sombra se afasta.

Vejo um túnel no fim da luz
Por onde sigo de olhos abertos.
Sinto um sapato na minha pedra -
Ele se perde nos piores apertos.

No aperto e no amigo se conhece o perigo
Mas antes acompanhado que mal só
E quem é, avisa amigo -
Já dizia à minha avó.

Ao meu lado segue o vento,
Antes nunca do que tarde.
O remédio é o melhor tempo
E sempre o que cura arde.

Digo com quem ando
pra você me dizer quem sou.
Quem sabe quer perguntar.
Por isso pergunto onde estou.

Não me encontro no caminho
E não enxergo nem o escuro.
Em terra de rei, quem tem olho é cego
E o velho morreu de seguro.

A bezerra pensou na minha morte
E ficou bem transtornada.
Sou bravo, sou forte, sou sul, não sou norte.
Sigo com a bússola desinformada.

A alma é o segredo do negócio,
Por isso vivo me doando,
Me doendo, me andando,
Trabalhando o meu ócio. 

Os enganos aparentam
E a gente se perde na estrada.
As subidas que as montanhas apresentam
Movem a fé em descidas pro nada.

Longe se vai ao devagar,
Longínquo se divagando em si.
Os primeiros são sempre os últimos 
E ri por último quem pior ri.

Com muito siso e pouco riso,
indeciso espero a primavera.
No alto do topo eu piso -
Quem alcança sempre espera.

De bons infernos as intenções estão cheias.
O pensamento se bifurca em tristeza e alegria.
Há bens que vem para males.
Nada como um outro após o dia.

Deus entorta por linhas escritas.
Vou por listras e pautas me escrevendo,
mas as letras tremem e entortam aflitas
na caligrafia que não mais entendo.

Marcelo Asth

sábado, 29 de janeiro de 2011

Poema: Místico

MÍSTICO

Ao me despir
ao seu dispôr
me estico no tempo
sem paralizar.
Díspares corpos,
místico par,
disputando beijos,
faltando o ar.
Simulo pecados
nada dissimulados,
desejos entregues
em vários pedaços.
E eu inteiro ali,
caça presa em laços.
Ao seu dispôr
ao me despir,
você rege o corpo
e me desnuda mais.
Mistura mística que muda
todo o silêncio nos gemidos tais
Interpelando minha figura pelada
com sussurros provocantes de paz. 

Marcelo Asth


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

História Infantil em versos: O Passarinho e a Minhoca

O Passarinho e a Minhoca

Onde o rio desemboca,
Onde a boca desenrio,
Anelídeo faz a toca
E o bico toca o pio.

Na tribo da alta oca
Morava um Passarinho
Que era amigo da Minhoca
Que almejava um ninho.

Passarinho que come pedra
É amigo de minhoca.
Voa sempre mais pesado,
Desejando ver pipoca
Pra comer ao invés de pedra...
Ou raiz de mandioca.

Ele é bobo, voa baixo,
Cabisbaixa asa coroca...

- Boa tarde, Passarinho!
- diz feliz Dona Minhoca -
Quero morar no teu ninho.
Vem você pra minha toca.

Passarinho quase ao chão,
Com o pedido da troca,
Pensa logo na decisão
E diz cansado à Minhoca:

- Não consigo mais voar
Ao meu ninho... aceito a troca.
Fiz o meu ninho com luxo
Com a fofa linha da roca
Pra construir o meu larzinho,
Pra comer muita paçoca...
Só vi pedras no caminho
E como tudo o bico emboca
Fui ficando pesadinho
Com a miséria dessa roça.
E agradeço com carinho
Sua proposta, tá, Minhoca?

Minhoca toda altiva,
Saindo de sua toca,
Diz adeus solene e viva
(nas amigas dá bitoca).

- Vou pra minha cobertura
No alto do teto da oca.
Lá Passarinho assegura
Que a vista até desfoca
Com o sol que como pintura
Dá o toque que retoca.
Sair de um subsolo
Onde o sol no solo nem toca
E subir um pouco na vida
É o que toda minhoca foca.

Passarinho não dá adeus,
Sua asa pesa e choca...
Os que o vêem pedem a Deus
Pra quebrar toda pedroca
Que nos intestinos seus
Passarinho assim estoca.

Mas em vão clamam os pios...
Passarinho se entoca.
Vai pra dentro em arrepios,
Enterrando-se na toca.

Lá de cima a Minhoca,
Luxuosa e deslumbrada
Nem vê que na sua toca
Ela vivia mais fechada.

Ela, de sua fachada,
Entre as linhas fofas da roca,
Olha o sol e a passarada,
Mas nem um pouco se toca
Que os outros não são camaradas
Como ela aqui se coloca.

Os índios daquela oca
Saíram da rede em alvoroço
Ouvindo a música que toca
Quando ave disputa almoço.

Não viram a triste e finoca
Se despedaçando em isca,
Mas ouviram da minhoca:
- Quem arrisca não petisca!
Sonhava com o alto da oca,
Onde o Sol a luz rabisca.
É o que toda minhoca foca
Quando na toca chuvisca...

Se debate, bate e soca
A traidora do amigo.
Foi trocar o seu abrigo...
Também deu-se mal na troca.

Antes o Passarinho
Tivesse papado a dondoca...
Tinha levado ela ao ninho
Calada no bico que emboca.

Amigo grande o Passarinho,
Que na falta de pipoca,
Respeitou-a com carinho,
Papando pedrinha e pedroca.

E hoje na tribo da oca
Há um ditado que assim medra:
Passarinho que come pedra
É amigo de minhoca.

Marcelo Asth

Poema: Colonial

Colonial

O café ferve, café torra e sobra borra. 
Palmeiras tremem no talvez de chuva grossa.
O vento vespertino onde quer que corra
Leva o cheiro do bule do fogo da roça.

Verão fazendo suar na fazenda.
Tépido rosto que acolhe a gota.
Verão soar mais tarde o som do grilo
E tudo aquilo que se colhe em brisa solta.

Soçobra a brisa no dente-de-leão.
Espalha a leve nuvem branca.
Só sobra a lisa haste no chão.
Espelha o olhar da moça na varanda.

O casarão onde o tempo não entra
Abre a boca na janela com cortina.
A parca luz no lusco fusco se sustenta.
Acolhe um bafo o cangote da menina.

Na paisagem um cavalo cansado.
Não se vê o cansaço do escravo do casario.
Da varanda a moça cansa na sombra mansa do telhado.  
Ali perto corre sempre o mesmo rio. 

Marcelo Asth

Poema: O Poeta e a Lua

O POETA E A LUA

A Lua se entrega como uma hóstia branca 
em comunhão com o mundo, 
beleza eucarística do Poeta. 
É partilha ímpar da natureza, 
o pão que alimenta o sonho dos pobres. 
O céu para a Lua é púlpito, 
sobe em esplendor em seu halo. 
A Lua de que falo se entrega de súbito e é divina, 
é sacra em decúbito, 
posta em seu altar, 
missa noturna.
A Lua se entrega.
É nela que se encontram os versos que o Poeta busca. 
Rochosa bola redonda,
brusca, bela, branca e envolvente. 
É a Lua que desperta o amor de toda a gente.
A Lua se entrega como um farol,
pequeno refletor do nosso palco.
Rouba o brilho do sol e pinta o mundo de prata, 
em fino talco.
O Poeta, agora, é quem se entrega. 
Lucubrador, divide a dor que nele existe. 
O Poeta é triste.
Sai à noite em busca de sonhos. 
Olha-se em seu grande espelho, 
lâmpada no céu, 
lucivéu
e pede um conselho.
A Lua se entrega, se abre,
como a rosa branca de mil pétalas,
num segundo.
A Lua divide com o Poeta, 
lá, bem em cima, 
no cimo do mundo, 
o sumo da poesia, 
a soma dos versos que ele pedia:
inspiração para a vida.

(2004)
Marcelo Asth

Poema: Engenharia



ENGENHARIA

Removendo o entulho
da tua desconstrução,
fica liso seu terreno renovado.
Eu invado,
engenheiro da tua motivação,
construindo nosso novo endereço.
Arquiteto nosso chão e nosso teto
e edifico as paredes 
que tapam toda a estrutura.
Nosso andar,
pelo andar da nossa história,
é o mais alto -
tem boa vista pra olhar dessa altura.
E lá embaixo
nossa base
ainda é montada dia a dia,
com concreto e com algum sonho
da mais hábil engenharia.

Marcelo Asth

Poema: Metrô


METRÔ

Os seus olhos tem uns ímãs
Que são incompreensivos.
Se arrastam pelos ferros
de outros trilhos.
No metrô,
de metro em metro
se acoplam num vagão
e de mim se esquecem
os seus olhos.
E passeiam pelo vão
entre o trem e a plataforma
e me informam
o perigo de uma outra colisão.
Vão olhando magnéticos
alguém sentado ali -
e eu querendo chegar 
em tua estação.
Os seus olhos de ímã
não reparam se estou são
e passeiam vagarosos 
no vagão.

Marcelo Asth

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Poema: Maré

MARÉ

Quando a gente se encontra 
nada nada contra a nossa maré, 
tudo é uma imensa onda que vai 
onde a gente quer.
E se não dá pé no mar,
a gente nada e não morre na praia.
A gente tudo é essa água toda,
que não pára de bater, de refrescar, de fazer som.
E nessa ondulação que vem do vento,
a massa d'água se distribui
E vai arrastando espuma
prum encontro na praia noturna.
No fluxo, o afluxo puxa a gente em corrente
e a gente se entrega no sal e na água. 
Ficamos à deriva, 
nos feitios enrolados
de nossas vagas marítimas.

Marcelo Asth

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Poema: Ver

VER

Abrindo os olhos para dentro
Vou entendendo que o problema é todo meu,
Não ser como deveria,
Adequado ao que desejo.
Pois olhando para fora
Vou entendendo o que de mim aflora.
Ser como eu não queria,
Arrastado atrás do que não vejo.


Marcelo Asth

Marchinha Carnavalesca Carregada de Ciúme

MARCHINHA CARNAVALESCA 
CARREGADA DE CIÚME

Eu sempre quis fazer 
um bom escândalo
de novela,
tocar fogo no barraco,
naufragar o nosso barco
e rasgar toda a vela.
Sempre quis que o meu ciúme
encontrasse um bom perfume
na lapela,
pra poder jogar minha ira,
descontar a ziguizira
em querela.

Você pode não dar motivos claros,
mas que você dá, dá sim.
Quem foi?
Quem foi?
Quem foi que te deu um alô no show?
Fui eu?
Fui eu?
Não foi.
Pois agora dou-me adeus.

Marcelo Asth



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Poema: Amante da Arte

AMANTE DA ARTE

Nas portas com Portinari
Desmanchas Munch,
Vanglorias Van Gogh,
Debochas de Bosch,
Desvendas Da Vinci,
Escondes Scandisnky,
Achas Escher.

Margeias Magritte,
Miras Miró,
Empolas Pollock,
Anovelas Velásquez,
Ganhas Guinard,
Debruças em Debret.

Lambes Goya,
Mordes Picasso.

Em volúpias com Volpi,
Montas em Mondriani,
Cavalgas Di Cavalcanti,
Manejas Manet e Monet,
Bates pra Botero,
Botas em Botticelli.

Em cobertas com Coubert
Conheces a origem do mundo
No beijo quente de Klimt.

Cheiras Dali,
Amante da Arte,
Num segundo de tinta que pinte
Em toda parte.

Marcelo Asth

Poema: Galope

GALOPE

Se solto meus cavalos
Como solto meus cabelos,
O vento dos meus medos
Vai acabar por penteá-los.
Cem léguas me embrenho na bruma,
Com a língua lambendo a brisa,
Bebendo espuma.

Se volto com meus medos,
Em que toca hei de cavá-los?
Como faço pra cabê-los?
Entoco pra acabá-los. Pra não tê-los.

Dali nascem mil flores,
Feias, tortas; vezes mortas, frágeis...
Desejosas de um vento
Que venha a todo momento.
Galopam cheios de força
Meus cavalos tempestivos,
Abatendo feias flores no caminho.

Marcelo Asth



Esse poema já foi enviado a mim anteriormente. Não sei por qual motivo ele se repetiu. Mas levantei na madrugada, como sempre, de costume e o li em voz alta. Bateu diferente.

Bloba

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Poema: Carrossel

CARROSSEL

Quando meus olhos perdidos

Eu vi delirar como em sonhos,
Queriam um foco pra estabelecer
E viram seus traços risonhos.
Quando eu te quis foi assim,
Fui querendo cair no teu poço sem fim
E meu coração em alvoroço cantou,
Querendo saber desse moço.
Abri minha porta pra me adentrar,
Você me chegou sem querer hesitar,
Querendo saber dos meus planos
E quis ter sentido pra me excitar,
Querendo ser meus vinte anos,
Rastreando o futuro no ar.
Agora você valsa no meu salão
E salva a dança da minha canção,
Girando como carrossel no olhar,
Refiz o meu mundo pra você amar.
Quando os meus olhos achados
Eu vi poetizar meus encantos,
Revi o meu passo com o teu, lado a lado
E abandonei os meus prantos.


Marcelo Asth

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Poema: Fôlego

FÔLEGO


A minha casa o vento levou,
varrendo tábuas de desilusão.
Portas, janelas, gostando do voo,
despedaçando em contato com o chão. 

As maçanetas rodam sem abrir.
Os basculantes parecem-me aves.
Parafusetas podem colidir.
As fechaduras duras com as chaves.

Tantos tijolos em mil direções.
Tacos do piso querendo ser céu.
Torneiras abertas em borbotões.
Tapete voador como pipa de papel.

A casa saiu se ventando
espalhando a biblioteca.
Os eletrodomésticos rodopiando e
o piano batendo na mesma tecla.

Aquele lobo que ventou a mansão
morreu sem fôlego de tanto assoprar.
Minha casa foi ganhando amplidão,
distribuindo-se nas correntes de ar.

Marcelo Asth  

Poema: Há


Há um silêncio que precisa ser barulho,
há um entulho que precisa descartar,
há a descarga que precisa do mergulho,
há o embrulho que precisa desdobrar.

Há um pouco de tudo
no mudo do olhar,
há um falar mais que surdo
quando a boca perde o ar.

Há um tanto de tontura
pondo o torto a equilibrar
e um pouco de postura
pra quem quer se encaminhar.

Há um muito de algo
dentro de outro, que sei.
Há dentro de mim um vulto
que jamais conhecerei.

Há um haver sem motivo,
conteúdo do continente.
Há sempre um pouco do vivo
dentro do morto da gente.

Marcelo Asth

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poema: Balança

BALANÇA


Te dou um presente
Enlaçado, embalado como em sono.
Você adora, canta e curte.
O que é passado me incomoda –
Eu não posso fazer nada -,
Pois você já sabe tudo,
Como alguém te disse outrora.
Já o futuro é uma balança,
Onde só quem põe o peso
Sabe se pesa mais a lembrança
Ou o agora.


Marcelo Asth