quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poema: Lugar

LUGAR

Teu território é o berço dos desejos.
Por onde cobre tua pele, me cubro de arrepio.
E revelando seus relevos todos,
Relevo que a vida é feita também de dor
E redescubro todo dia teu cenário,
Passo a passo, palma a palma, riso a riso.
Teu campo é coberto de madrugadas sólidas
Delimitado nas luas que nascem nos teus céus.
Eu durmo sob o dossel de teus cachos negros
Sonhando acordado uma delícia pura,
Sem precedentes,
Cheia de predicado.

Marcelo Asth


Poema: Porrada

PORRADA

Não me importa que a porta
Me bata na cara.
A gente se corta, se fode, se sara.
A gente se transfigura,
Atura atadura, dura patada.
Fica ali a cicatriz,
Atriz da cena que fica;
Agüenta o tranco.
Estanca, manca em solavanco,
Sangra quando lembra e avança
Pra cima de quem bateu a porta.
Toda torta, a alma sem calma, espancada,
Corre pelo corredor procurando por nada.

Não sabe a alma que às vezes
Somos nós mesmos
Que nos damos porrada.

Marcelo Asth

Poema: Veleidade



VELEIDADE

Me permita despedir,
Alguém me chama ao longe.
Deve ser a voz
de alguém que mora perto,
dentro do meu ser,
que é um longo deserto,
que decerto é onde
o ser se faz concreto,
na realidade que em mim se deu.
Pode ser Deus me chamando,
pode ser loucura,
pode ser verdade,
ou até imatura minha felicidade
de ouvir sua voz
toda desmedida
num murmúrio quente,
numa veleidade
de chamar meu nome
só pro seu recreio -
mas eu não receio seguir o seu tom.
Ouço essa voz que falo
em som de despedida,
minha sorte é grande,
meu azar na vida
é não ter quem mande
no meu coração.

Me despeço lentamente,
Pode ser que a gente
Esbarre de repente
Na contracorrente,
Na reviravolta
De uma outra estação.
Pode ser que na viagem
Carregue bagagem,
Pesos de uma vida,
Toda falsa imagem
Que a mala iludida
Não se importa ainda
De ter que portar.
Digo adeus
Sem ter certeza
Que a voz de um deus
Provém da natureza
Que ecoa dentro
Desse torto centro
Em mim sem direção.
Sigo sem ponteiros,
Bússolas, mapas, roteiros,
Passos, solas, pés inteiros,
Sinto só o nó da solidão,
Mas que não é nada
Que me prenda forte,
Que me deixa solta,
Que me deixa sendo,
Que me deixa fraca
E que não me revolta -
Segue sem sentido
Sem se ter precisão -
Sou só um ser só no mundo
Como se um segundo
Que dentro do tempo
Nunca é fixado,
Nunca se faz pêndulo,
Nunca é parado
Na presente ilusão.
Quero entender o medo,
Dançar em segredo,
Porque a voz que canta
Conta com os dedos
Quantas notas faltam
Pra notar quem sou.
Tempo de uma melodia
Que a marcação adia
Em se musicar completa,
Partitura desconexa,
Festa de sonoridade,
Resto desta alegria
Que não se encontra em mim.
Vou em direção assim
Num poço tão profundo
Que não tem mais fim
Do que o fim do mundo
Que acaba com tudo
Que chama por mim.

Dinorah Lima


Ai, Dinorah. Não entendo seu enfado. Será que sofre ou finge sofrer? Será que se despediu mesmo, foi viajar, se conhecer? E como chegou a mim? Não sei se a conheço, se preciso conhecê-la de alguma forma e ter pena dessa solidão. Hoje este poema me chegou, mas não cheguei a ele. Ainda não.

Bloba

domingo, 24 de abril de 2011

Poema: Nefelibata

NEFELIBATA

Eu, doido desequilíbrio,
ébrio dançarino em nuvens,
piso fofo o terreno frágil
querendo estar no meu seguro piso.

O coração nas alturas
desnorteado na pressão,
não sabendo sístole certa,
diástole sofrida demais.

Quem dera ser pássaro altaneiro
no campanário de uma igreja mineira...

Mas eu vou além, um foguete,
querendo explodir mil constelações no escuro.
Nefelibata se debatendo
quando pisa em falso o terreno inóspito,
escorregadio cego de um céu de ego nublado.

Vagueia o vento numa loucura saborosa
soprando e ditando rumos descontroles.
Eu sou tão paixão que nem mais me entendo.
Caio de nuvens, bato no chão
e me suspendo.

León   

terça-feira, 19 de abril de 2011

Poema: Sideral

SIDERAL

Preparo contraindo
a mola propulsora.
Toda a energia espiral
que libera um impulso,
me recebe, catapulta,
me impulsiona, me repulsa,
me lança, ser sideral.
Tudo bem, não sou daqui.
Vagueio um buraco negro
entre astros metamórficos.
Vou sumir na lentidão
da velocidade da luz,
me espalhando, preparando
um possível Big Bang.
De mim não nascerão mundos.
Apenas dos sentimentos imundos
novas estrelas cintilarão
nos cinturões que já disponho
em desenhos desiguais.

Marcelo Asth

Poema: Cuidado

CUIDADO

Te quero cuidado,
carinho de orvalho.
Um movimento leve
de natureza.
Há mais amor aqui
do que no resto do mundo.
Talvez fosse sutil
pegar o primeiro trem,
a primeira caravela
ou vir galopando
escutar meu coração.
Que chama!

Se eu pudesse sorrir
pra você me ver,
rasgaria o rosto
condensando toda a alegria.
Há mais desejo aqui
do que em toda poesia.
Embora me consuma
o presente do corpo amado,
condenaria, em suma,
sua espera, calado.

Marcelo Asth

Poema: Ou

OU

A sabedoria de quem
saboreia uma sombra
ou se alimenta do
gosto da chuva.
A alegria de quem
não repousa um dia
ou sente o abraço do
tempo em memória.
A parcimônia de quem
canta lavando roupa
ou escolhe o legume
na feira dominical.
A paixão de quem
beija o próprio braço
ou escreve poemas pra
entender porque queima.

Marcelo Asth

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Poema: Rio

RIO

O nosso amor é um banho de rio
que, caudaloso, beija os pés da gente.
Gargalos, sumidouros e correntes
passam distantes das águas que guio.

Controlo o fluxo que já nos acolhe,
amanso do rio a força no leito.
Sou um corixo lento que em sede escolhe
que água engole pro fundo do peito.

Marcelo Asth

domingo, 17 de abril de 2011

Poema: Senso

SENSO

O que figura
Não entendo
A chama da vela queimando
O olor do incenso
E eu lendo.
Não há razão alguma
Pra fazer parte daqui.

O que não se configura
Jaz em mim
Entender o tempo
O desintendimento
No traço do desenho
Que atravessa o fim.

Iago Sanches



o poema de um dos lados da folha que pregou-se no espelho.

Bloba

Poema: Ceia

CEIA

a lua pendurada na linha
que divide o céu do mar
tem tudo nas mãos
na sutil divisão do mundo
quando as plêiades
e as anêmonas
dançam juntas
procurando devorá-la.

Iago Sanches


Iago Sanches se juntou aos meus poetas desesperados. Não sou editora. Não escolho poetas pra lançar livros. A quem e como aviso isso? 
Hoje fui tomar um banho pela manhã e ao olhar o espelho do banheiro, os dois poemas que ele me mandou se encontravam presos entre a moldura e o vidro que refletia, numa folha pautada. Um monte de letra estranha, embaralhada, sem sentido. Não dava pra entender. Como cada um dos poemas veio numa face da folha, ao tentar ler um que estava numa parte, olhei pro reflexo do espelho e lá estava o poema de trás, revelado. Foram os dois escritos de forma invertida. Divertido ele. Só ao olhar o espelho se vê a imagem. Precisa haver um reflexo para a reflexão.

Bloba.

sábado, 16 de abril de 2011

Poema: Quebrassílabo

QUEBRASSÍLABO


Parte 1

E pensar: amar a um, sendo dois.
Ou então, amar a dois, sendo um...
A sutil diferença que depois
Configura o amor de forma incomum.

E pra se viver de amor é preciso
Morrer de saudade na tua espera.
Assim meu vício carece de siso;
No que é difícil domar qualquer fera...

E nossos seres vão se amalgamando...
Dois corpos não ocupam um só lugar!
Confusos, dois corpos vão se amarrando
Buscando a téssera complementar.

Colidindo-nos, seres de elisão,
Nossa escansão torna-se necessária
Pra que possa dizer ao coração
Nosso ritmo em batida diária.

E se nós somos vogais semelhantes
Precisamos nesse verso da crase.
Mas se nós somos letras dissonantes
Somos elisão numa mesma frase.

O intrigante dessa necessidade
É querer rimar me formalizando.
Talvez um verso branco que me invade
Venha em liberdade se anunciando:


Parte 2

Quando quebro os decassílabos
Meu verso voa pra ser teu poema,
Livre e sem rimas ou regras de aglutinar.
Ficamos na espera
- pra entender a espera -,
E ficamos na saudade pra saudar o tempo.
Pra sentir sua falta e explodir num exato momento.
De quando abraçar.
Somos dois voando juntos,
Sem compromisso da métrica.
Apenas como versos soltos,
Conjuntos poetizando amor.


Marcelo Asth

domingo, 10 de abril de 2011

Poema: Motivo

MOTIVO

Que mistério na ponta da língua
não lambe a revelação de uma dimensão não descoberta...
uma pele inteira pinica.
Toda a pronúncia desses meus suspiros débeis
são sopros que em razão desalinham.

Teu sussurro, 30 decibéis.
Férteis.
Meus ouvidos se coçando de euforia.
O amor, não dá pra entender.
Fartos os pensamentos de peso sobre medidas.

Teu sorriso vem me soando catástrofe:
premedita abalos recorrentes;
minhas estruturas ficam rachadas
e pelas gretas entram todos os teus sons
me estuprando
sinfonia.

Se puder saber o porquê desse tudo
eu me recuso.


Marcelo Asth

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Poema: Seqüência

SEQÜÊNCIA

Perfila a seqüência numérica
que rege todo o universo.
Algum ritmo algoritmo que revele.
Tudo em nós é orquestrado -
sou a música indecifrável.

Notas, cifras, unidades de medida.

Quanto meço?
O quão peço pertencer
ao universo da vida?

Arquimedes Sampaio

Hoje acordei no mais pesado sono. Com fome, me dirigi à mesa pra fazer um café. Comecei a tostar um pão quando no cheiro de quase queimado se revelou mais um poema de Arquimedes Sampaio, que dormiu na torradeira. 

Bloba.

Poema: Natação

NATAÇÃO

Bater braços.
Nada.
Tudo o que me afoga no mar
me afaga.
O cansaço da ânsia desperta:
o ar no pulmão me aperta,
a distância do cais me aparta. 
O caos não quero mais.
Por nadar, a água está farta.
O pulmão que abra e feche
pra eu conseguir boiar!
Bóia no mar.
Habito o que em mim se mexe
e se espraia em meu habitat.
Morrer na praia não deixe.
Que o mar não está pra peixe,
que o peixe não está pra mar.

Marcelo Asth




Há duas madrugadas, na hora de dormir ouvi o arrastar do papel mais uma vez enunciando a chegada de poemas novos. Marcelo Asth. Li na mesma hora, com o tédio abrindo espaço sobre mim e sobre o beliche. Eu gostava muito do que lia dele, antigamente. Os poemas pararam de surpreender como no início. Tanto pelo conteúdo quanto pela rotina da fricção do envelope sob a porta. Gosto dos poemas de León, de Dinorah Lima e dos outros que vieram, não sei. Marcelo Asth está vivo, mas não sei se entra neste meu blog tão particular. Como ele chega a mim diretamente, invadindo a minha privacidade, tenho a liberdade de criticar, dizendo que seus versos são de bobas rimas, falsas angústias e pouca alegria. Falta ser profundo de verdade. Repito que gostava dos antigos. Estes novos trazem alguma coisa boa, eu sei. Mas não me agradam mais. Precisam de revolução.

Bloba

Poema: Peso

PESO

Mil sonos irão me assolar,
pondo todo o peso na pálpebra.
Nos ombros a impressão de quilos.
No peito o peso daquilo.
Toda massa que amassa no chão,
coração batendo chumbo.
Respirar vem me doendo.
Recebo ar doando gás pro mundo.
Dentro de mim um carburador imundo.
A carne abraça os ossos
e a alma se esmaga esvaindo,
na calma pro fundo dos fossos
sorrindo.

Marcelo Asth

Poema: Valsa do Desalinho

VALSA DO DESALINHO

Viver,
este rito de espera.
Impera quem teme esperar
e finge que não desespera
o ritmo que tem que emperrar.

Não deixa fluida a dança
e lança fingindo deixar.
A música é a falsa esperança
de quem não consegue valsar.

O tempo que segue marcando
condena quem erra algum passo.
Os riscos marcados por terra
alinham o meu descompasso.

Marcelo Asth

Poema: Jogo

JOGO

Vida é preparo da morte,
ida no correr do dia,
volta quando se sabe o caminho,
se perde se muito se solta.
Se prende demais
arrepende.
Carinho faltando revolta.
Se muda o ato de espera.
Quem erra nunca faz falta.

Te vejas num tabuleiro,
dado o jogo sem tino e sem meta.
A roleta o destino soletra.

A vida é preparo da sorte,
independe querer jogar.

Se tens amor,
conjunta é a dor.
Se tens só a morte, 
azar.

Marcelo Asth

Poema: Mercado

MERCADO

Têm coisas que não
estão à venda.
Eu vejo os vendidos 
querendo comprar.
E vendo que estão
tão vendados,
me vendo
a preço popular.
Não tendo moeda que troque
ou não aceita a transação,
me cobro fora de estoque,
me cubro de falsa inflação.
Meu valor ultrapassa 
o meu toque de Midas.
Me vendo às escondidas
em sua liquidação.

Marcelo Asth

domingo, 3 de abril de 2011

Poema: Lógica

LÓGICA

Trigonometria do ser.
Tangentes pensamentos,
secantes lágrimas
descendentes das diretrizes.
Seno obsceno:
formas me observam.
Funções pro funcionamento.

Sinos dobram energia lógica.




Arquimedes Sampaio



Um poema lógico. Apareceu dentro da torradeira. Um surto de poetas que me procuram. Depositam suas criações nos meus objetos. Um invasão de letras que não entendo. Também não me entendo.

Bloba.

Poema: Esquecimento

ESQUECIMENTO

A montanha linda 
de aconchego
tem pássaros que invento.
Tem vento que leva
uma paz de enlouquecimento.
Um frescor bate em minha calma
e desapareço.
Está fácil de fazer o esquecimento.

Dulce Lavínia


Um poema de Dulce Lavínia (?) acordou relaxado, assim sentado na poltrona de minha sala. Uma letra de senhora, cheia de paz e melancolia.


Bloba.

sábado, 2 de abril de 2011

Poema: Babel

BABEL

Assentei o barro
no delírio da Babel
falando milhares
de línguas de improviso.
Palavras viciadas no céu
se chocavam em terra
e sumiam.
Bloco inconsistente,
vítimas dementes
atreladas ao concreto
de estrelas inconscientes.

Dinorah Lima


Ela voltou. Parece que está louca. Não sei por que. Algo me diz.

Bloba

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poema: Poro

PORO

há a minha espera
há ali depois daquilo

sei que se encontra
no encontro de um dia

se criasse amor nos poros
suaria
todo dia
toda noite
espalharia na espera

poesia.


León

Poema: Gravidade

GRAVIDADE

alguma coisa
derreada
o efeito de ter que

pútrido
o dia lotado de gente
e o enfado do fardo

gravidade
não flutuo
sou empurrado 
contra o solo.

Me esfolo.


León

Poema: Palavra

PALAVRA

vivo de juros.
prometo morrer lentamente.
há esse desejo de assistir a Terra de cima,
não de nuvem, em cima de um cometa.
um pé depois do outro
me levo a entender.
palavra palavra por palavra
não quero dizer nada
que não se diga palavra.

só elas irão me entender.


León


Poema: Ira Arrebol

IRA ARREBOL

parcimônia harmonia
olhar o arrebol quando morre o dia.
velório calendário -
me empurra em mutação.

eu nunca sou quem sou
(eu nunca sou),
eu devenho - 
devo adivinhar de onde venho.

animadvertir o ser advertido
por se divertir no perigo.

por dentro 
ira, 
ira, 
ira
e o desejo de explodir
dez mil mundos,
depois de comer o pão
plantando o trigo.

peremptória ousadia
a de matar o próprio abrigo
que se dizia alma, 
abrindo o umbigo.

sorrir
enganando a esperança...


León


Dessa vez não vieram os três poemas do meu irmão morto por dentro da embalagem de pão. Acreditava que pra cada manifestação de cada poeta que se corresponde comigo existisse um padrão de encaminhamento. Mas não. Dinorah Lima deve ter me esquecido. Ela deixou os poemas dentro do forno. Marcelo Asth traz por debaixo da porta do meu quarto. León na embalagem de pão. Não mais.
Agora os três últimos poemas de León estavam entre os papéis dentro da lareira. Prestes a serem comidos pelo fogo. Não sei há quanto tempo se encontravam por lá.
Foram dormir no beliche de cima.


León é morto. Marcelo Asth está vivo. Dinorah Lima, não sei.

Bloba. 

Poema: Lacuna

LACUNA

Lacuna vazia
completa-se no espaço.................................................................................

Contempla-se o nada
que não devolve sentido.

Por tentar olhar o que não se pode,
a mente fundiu e entrou em curto.

........................................................................................Longo demais o intervalo de espera.

É necessário não deixar vão.
Em vão, corro pra preencher.

Se faz o trabalho ineficiente,
do impossível que não posso ter.


León