quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poema: Desconstrução

DESCONSTRUÇÃO

Transpor uma camada espessa,
furando, rachando,
quebrando a cabeça.
O trabalho é dia a dia,
rotineiro,
de minar sabiamente
como um despedreiro,
implorando e despedindo,
implodindo e descascando
o muro assaltado de heras,
por eras, por erros,
por velhas quimeras de pedra,
argamassa e gelo.
Desconstrução 
Que desfaça a ação do apelo.
Transpassar o espaço espesso
e derrubar o que não mereço.
Assim esqueço.


Marcelo Azth 

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Poema: Intensidade

INTENSIDADE

Não cabe em mim tepidez.
Sou Sibéria ou Crato
no que tempera minha tez,
no que retesa o tato.
Nu, que é tesão no ato.
Cheio de intensidade, 
Sou oposto do gosto
Que invade.
Sou aquele que queima de frio
ou que de quente se arde.

Marcelo Azth

Poema: Farra

FARRA

Uma farra de vento
Transformando a duna,
Levantando a areia,
Assobiando lento.

No meu mar de nova espuma,
Lanço a missiva na garrafa.
Uma farra de letras,
Sentidos outros
Que só o vento sabe -
ele me viu escrever
no que meu navio emergia do naufrágio...

Conduz.
Eu vento.
Que só vendo. 

Farra.
Ele a fará no mar, no céu, no elo.
Ele esbarrará nas curvas do seu cabelo
e distribuirá mensagem, refrão em ritornelo
Por correntes quentes ou dessas de gelo.

Engarrafo um pouco de vento
Que gere redemoinhos
Pra centrifugar palavra e duna 
Em oceanos vazios...

Farra de forasteiro,
Expande transatlântico.
Vai à forra de tanto ventar,
Com lastro num rastro semântico,
Romântico a varrer o mar.


Na via aquosa
Alastra-se em mastro e vela.
Navio em prosa. 
O céu estrela.


Farreia lambendo a areia
E espanca a espuma
Nesse tão seu paraíso,
Borbulhando minhas palavras, 
Uma a uma,
Frugais de riso.


Marcelo Azth

domingo, 24 de outubro de 2010

Poema: GATOCAPÔ, Marcelo Asth e Lucas Nascimento


GATOCAPÔ 

O gato deitado no capô
sabe mais coisas que eu
sobre meu avô.
Ele sabe de segredos,
coisas que não vi.
Tilintando seus bigodes
ele pensa em existir.
Logo existir.
O vento bate e eu sei porque.
O gato fala de antepassados.
De buracos na parede.
Língua de gato!
Língua de gato!
Mistério da vida.
Agulhas
são suas garras
agarrando as angústias.
Sentindo tudo no pêlo.
Eriça e atiça o segredo.
Brinquedo do meu avô,
que sabe quem brincou.



Marcelo Asth e Lucas Nascimento 
ao verem o gato descrito num capô de um carro na Lauro Muller

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Poema: Rio


RIO

Sou dessa maneira,
Dessa liberdade de rio.
Mas tenho margens.


Vou me espalhar
De nulo a Nilo,
De Nilo a Amazonas
Pra abarcar tudo aquilo
Que amarei nessas zonas
Sazonais da tua terra,
Meu leito dourado.

O rio estourou do meu peito.
Perfeito.
Estourado jorra feito orgasmo.
Pasmo. 


Marcelo Asth

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Poema: Troca

TROCA

Me convoca.
Troca no ato.
Me provoca.
Uma colisão.
Me cutuca.
Rua carioca.
Lambe a nuca.
Numa contramão.

Me encaçapa.
Bola e taco.
Me ensina.
Dá tua mão.
Me calcula.
O ponto fraco.
Me sinuca.
Tateação.

Me entoca.
Beco e eco.
Me enlaça.
Beiço e bossa.
Me constata.
Bico e boca.
Te resolve.
Vem, me cata.
Me envolve.
Num boteco.
Me revolve.
Me destrata.
Me expande.
Não me mata.

Não me apaga.
Sente tenso.
Sim, me queira.
Assim penso.
Me caduca.
Se assim não.
Não machuca.
Coração.


Marcelo Asth

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poema: Conflito



CONFLITO

Na falta de flores,
Os beija-flores, tão aflitos,
Vão procurar sua boca,
Provocar vários conflitos,
Pois seus lábios são tão doces
Como mel pra passarinho.
Se sua boca minha fosse,
Iria devagarzinho
Tirar todo o seu açúcar
Pra não ter nenhum perigo
De dividir sua boca
Com um beija-flor atrevido.


Marcelo Asth

Poema: Goela


GOELA

Antes do surto
o susto,
o temido desvario.
O rio que criei
desaguou na goela de um boi sedento.
E foi assim, desalentado, que lento, 
fui secando a terra
e fui rachando o solo
da mais bela quimera.
Que me erra.
Que me enterra.
Que me era uma vez.


Marcelo Asth

sábado, 16 de outubro de 2010

Poema: Pingos



PINGOS

Possibilidade de se encontrar
dentro de si a qualquer hora.
Em qualquer lugar que esteja perdido,
abaixo de alguma referência de partida.
Pode ser num tempo esgarçado
ou sejamos esses atemporais temporais 
que caem de um céu anacrônico
e lambuzam nossa densa mata
com os pingos gelados da chuva que nos leva.
A nós, que nús, nos lava.


Marcelo Asth



Oi Marcelo, tenho me encontrado ouvindo música e lendo cartas antigas. Tenho algumas fotografias, mas não tiro da caixa há tempos. Prefiro as palavras. Aqui tem caído algumas chuvas, mas nunca me molham. Amo a possibilidade da janela.

Não se resfrie!

Bloba



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Poema: Habitat


HABITAT

Creio em tudo isso.
Meu pensamento migrou de mente.
Habitualmente minha mente habita a tua
E sabendo disso, tua mente se sente nua.


Marcelo Asth

sábado, 9 de outubro de 2010

Poema: Catódico


CATÓDICO

Antanho
Outono castanho
Estranho antes de ti
Agora pastor e rebanho
De si, de dois
Juntando-se no banho
Espuma e jato médio
tépido arrepio
O raio catódico
Da televisão
Convulsiona o tédio
Mas gozo alegria
Planejando invasões
Invenção dos seus ventos 
Turbulento de euforia
Sou uma cabeça que pulsa
Pensante eterna do teu enigma
Quico constância no teu horizonte
Parece sexo a minha dança
Carece rima a minha folia
Bebe da fonte dos bêbados românticos
Completa aqui embaixo a frase
O que quero é ___________
Na mais alta ____________
Precisando que ______________
Sejam mortas ____________
Sobrepujo _________ de mar,
de cantoria ___________
____________ pra não conceber
A _________ da filosofia
Porque amo me ______
Pra amar-te em ___________
Pois planejo invasões
E jorro _______ e alegria
De beijar o teu ___________
Na espera da tua _________



Marcelo Azevedo



Marcelo, que é também Azevedo, não consegui completar as lacunas. Sou especialista em não conseguir. Eu vou te dizer que pela primeira vez venho reclamar dos teus poemas. Não pelo que escreve, mas pela quantidade de cartas. Viraram um capacho interno do meu quarto. A cama de cima do beliche vai estourar. Os envelopes levantam o volume. Estou postando o que posso, tenho me dedicado a isso. Não tenho nada pra fazer, além de pensar e ficar numa estranheza espetacular. Aí pego teus originais (será que são?) e passo pro computador, junto às fotos. Ontem recebi 34 poemas em envelopes de cores sortidas e grossa gramatura. Um cheiro em cada poema. 

Comecei a ir a um médico especialista que podia me ajudar a entender algumas coisas da minha vida e mente, mas eu senti que ele riu da minha loucura. Parece ser sério demais receber teus poemas por debaixo da minha porta, sem chance de truques. O que eu posso fazer? Palavras se infiltram.

O especialista me disse: enfrente seus medos. Aí então, sem muita abertura, mas seguindo o conselho, enfrento você, Marcelo: 

vá consumir alegria.

Bloba 

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Poema: Arde


ARDE

Te entendo
Por não me entender.
Te estendo
Por mão me conhecer.

Antes tarde
Do que só acompanhado,
Com o apanhado de si
No que só arde calado.


Marcelo Asth

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Poema: Rima


RIMA

Madrugada alegria,
Mistura de mistério,
Água e areia fina.
Sorriso de bacante,
Minha coisa minha,
Jeito de bacana,
Sede de salina.
Um tom exorbitante
Que alucina,
Que acelera,
Que ilumina
Minha imensa sina.
Que me encerra
Na espera densa
Dessa rota,
Minha rotina.


Marcelo Asth

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Poema: Temporeal


TEMPOREAL

Na temporalidade da matéria,
Transmuta o dia, gere horas
Que não passam, emperradas.

Relógios de antiquários
Têm desejos digitais.
Os dedos implorando.
Breves toques.
Marcam o atrás.

Atrás de quê?
O que é o tempo?
É o que engasga minutos
Nos mistérios, horas que furto,
Pra eu esperar você real sem- tempo.
Com temporal intenso e curto


Marcelo Asth

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Poema: Labareda - de Marcelo Asth


LABAREDA

Bota fogo pelas ruas,
Pelos caminhos escuros.

Labaredas pelos muros
De nossas passagens nuas.

Incêndio na noite leda,
Quente faísca que acende.

Chama de labareda
Esse fogo que ascende.



Marcelo Asth



Hoje assisti de madrugada a uma queimada num morro próximo ao sítio em que moro. Fiquei vendo da janela, num outro tempo, a beleza daquela cor que ardia e lambia o mato. Fascinante. E chega teu poema cheio de labareda!

Bloba