sábado, 25 de dezembro de 2010

Poema: Enterro

ENTERRO

Não consigo
Me apartar da sua caveira.
De toda maneira
os seus ossos me cutucam.
O mau cheiro das entranhas
que entontecem, que machucam... 

Vê se esquece, esqueleto
- agora é sério -,
fica aí no cemitério,
que o buraco é bem mais fundo:
Poço imundo em que te meto.


Dinorah Lima



Depois de tanto tempo recebendo os poemas de Marcelo Asth, nesta noite de Natal recebi os poemas de Dinorah Lima. Não sei quem é essa pessoa poética, mas é intensa, fala de caveiras e martírios. Gostei. Tenho andado meio assim, mesmo no Natal. O Natal foi legal. Não tenho recebido tantos poemas do Marcelo; os envelopes sob a porta deram um tempo. O curioso é que os poemas de Dinorah apareceram dentro do meu forno. Vai entender. Eu já acho graça de tudo... vão também parar no beliche. Acho válido.

Bloba

Poema: Resto

RESTO

Eu estive ausente da festa
e só voltei quando atestei
que nada resta.
Cacos, copos, balões em pedaços;
minha alma acompanhava
os últimos passos.
O silêncio das caixas
de música,
dos presentes,
o som ambiente:
tudo estava fora.

Dentro de mim,
a aurora.


Dinorah Lima

Poema: Nova mente

NOVA MENTE

Aparentemente todos mentem
porque sentem.
Se não mentissem à mente,
o coração, de repente,
pressentiria e mentiria
novamente.

Dinorah Lima

Poema: Martírio

MARTÍRIO

Machucaram meus dias,
lentamente me espancaram,
rasgando minhas alegrias
com um sorriso de escárnio.

Mataram à sangue frio
minhas últimas impressões
e em troca de uns tostões
fui traindo o meu martírio.

Dinorah Lima

Poema: Rota

ROTA

Surdez muda, nudez cega.
Por muitos mundos, por tantas trevas
arrasto em tepidez meus rastros.
Minha tez é bruta,
Abrupta e rota.
Minha rota é curta,
Minha curva é torta.

Dinorah Lima

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Poema: Prisma

PRISMA

Percam minhas parcas partes, 
partam em barcas para perto,
passem em portas me parando,
pondo um prisma na espera. 

Marcelo Asth

Poema: Profecia


PROFECIA

Eu sinalizei o fim dos tempos
Mas com todo esse tormento
Nem mesmo eu acreditei na acusação.
Perdi o encanto
E o quebranto se instalou,
Mas, entretanto, o acalanto,
Este sim, me abençoou.
Depois do caos refiz o mundo
Lendo a Bíblia ao reverso
E tendo em ti o pensamento
Como verso.
Minha aversão em sintonia,
Apuro assim em profecia.
O ar puro que em mim preferia,
Pacificou assim a prévia da melancolia.
Eu finalizei o sim dos ventos,
Eclipsando meus díspares dias
Chovendo um burburinho numa celeuma
E praguejando o mal do século
Com palavra de flecha e de fleuma.


Marcelo Asth

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poema: Inconstância

INCONSTÂNCIA

Eu não sei o quanto preciso
pra saber-me necessário.
É preciso ser diário
nas constatações de um sorriso.
Precisam te ver rasgando o rosto
pra chamarem de bom moço.
Mas quem vê meu alvoroço
quando perco em mim o gosto?
Quem me disse só amigo?
Tenho fáceis inseguranças
que me trazem inconstâncias
de ser corpo e meu abrigo.
Brigo assim também comigo,
esperando eu ser folganças,
nas minhas intemperanças,
insistência de perigo.
Usando meus ósculos escuros,
saio nas ruas de luz
vendo um sorriso nos muros
que concreto, não me induz.
Minhas formas de beijo cego
se dão nas minhas torpes esperanças
de alimentar o meu ego
com as suas inconstâncias.


Marcelo Asth 

Poema: Espiral

ESPIRAL

Perdi o valor do silêncio
pra murmurar minhas palavras tristes,
pois de som me consome
a significância de esperar ser.
Espiralar-me numa construção verticalizada,
tentando subir, subir, tentar respirar o céu.
Uma escada caracol me enrola o sentido.
Abalaustro-me no sossego de uma fraqueza que desiste.
Voluta de um capitel jônico,
estrutura de palavras de banzo não medido.
Não sei o que se passa em mim
mas passarei por mim
e identificarei na volúpia de me ver sozinho.
Estou subindo dando voltas,
indo do adro pro campanário ouvir os sinos.
Alço-me, levo-me pro alto, pé após passo.
E se chegar ao céu, ficarei por ali,
numa nuvem gris de chuva
esperando eu cair granizo.


Marcelo Asth

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Poema: Erupção

ERUPÇÃO

Quando em sonambulismo
nos bulinamos,
ebulimos, fervemos,
o sono vaporizamos.
Muvuca de bole-bole,
um vuco-vuco que rebole
dois vulcões de erupção mole;
crateras duras de jorro de lava.
Leva o rio de massa quente
a gente que passa e escorre no morro,
no fogo que fura a terra trilhada.
Tática tátil no corpo,
o sonho prossegue acordado,
explodindo poderosos
a força do magma lançado.


Marcelo Asth

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Poema: Asa

ASA

Certeza de que vôo alto,
disfarce cerúleo
de céu na face desmascarada.
Meu rosto respira vento
e o resto só movimento
de escalada,
na aérea trilha,
de alma lavada.

Bato quase asas de fada,
etérea maravilha
de calma levada.

O mundo é ninho
e eu procuro.
Não há solidão,
pois os sóis
me dão brasa.
Me curo.
E teu mundo,
imensidão
- asseguro -,
é minha casa.

Marcelo Asth

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Poema: Momento


MOMENTO

Tarde estica,
o corpo alonga,
prolongamento.
A rosa abre,
o peito se expande,
grande aumento.
O disco se toca,
vida se musica.
Nosso momento.


Marcelo Asth

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poema: Ninho

NINHO

O riso, a rosa,
o ninho, o vinho.
O extraterrestre brinquedo,
a gente trocando carinho...
O canto, teu canto,
Vitrola, chão macio.
Não me sacio.
Não me sossego.
Você também não.
Dançamos no chão,
Se estabelecendo;
Tudo instalação.
Performáticos que somos.
Bailarinos da instante ação.
Estonteantemente, sim,
dançando numa só marcação. 



Marcelo Asth






Senti o perfume dessa rosa e desse vinho. Que cenário interessante. Ouvi tua música ali. "Dance, dance, dance, faça como Isadora". Faça como quem é feliz e dança numa só marcação. Tô feliz recebendo os poemas noturnos. Pensei em passar do "debaixo do beliche" pra "um baú". Que coloco sobre a cama de cima. São muitos poemas se somando e todos muito cheios de coisas boas.

Bloba


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poema: Desconstrução

DESCONSTRUÇÃO

Transpor uma camada espessa,
furando, rachando,
quebrando a cabeça.
O trabalho é dia a dia,
rotineiro,
de minar sabiamente
como um despedreiro,
implorando e despedindo,
implodindo e descascando
o muro assaltado de heras,
por eras, por erros,
por velhas quimeras de pedra,
argamassa e gelo.
Desconstrução 
Que desfaça a ação do apelo.
Transpassar o espaço espesso
e derrubar o que não mereço.
Assim esqueço.


Marcelo Azth 

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Poema: Intensidade

INTENSIDADE

Não cabe em mim tepidez.
Sou Sibéria ou Crato
no que tempera minha tez,
no que retesa o tato.
Nu, que é tesão no ato.
Cheio de intensidade, 
Sou oposto do gosto
Que invade.
Sou aquele que queima de frio
ou que de quente se arde.

Marcelo Azth

Poema: Farra

FARRA

Uma farra de vento
Transformando a duna,
Levantando a areia,
Assobiando lento.

No meu mar de nova espuma,
Lanço a missiva na garrafa.
Uma farra de letras,
Sentidos outros
Que só o vento sabe -
ele me viu escrever
no que meu navio emergia do naufrágio...

Conduz.
Eu vento.
Que só vendo. 

Farra.
Ele a fará no mar, no céu, no elo.
Ele esbarrará nas curvas do seu cabelo
e distribuirá mensagem, refrão em ritornelo
Por correntes quentes ou dessas de gelo.

Engarrafo um pouco de vento
Que gere redemoinhos
Pra centrifugar palavra e duna 
Em oceanos vazios...

Farra de forasteiro,
Expande transatlântico.
Vai à forra de tanto ventar,
Com lastro num rastro semântico,
Romântico a varrer o mar.


Na via aquosa
Alastra-se em mastro e vela.
Navio em prosa. 
O céu estrela.


Farreia lambendo a areia
E espanca a espuma
Nesse tão seu paraíso,
Borbulhando minhas palavras, 
Uma a uma,
Frugais de riso.


Marcelo Azth

domingo, 24 de outubro de 2010

Poema: GATOCAPÔ, Marcelo Asth e Lucas Nascimento


GATOCAPÔ 

O gato deitado no capô
sabe mais coisas que eu
sobre meu avô.
Ele sabe de segredos,
coisas que não vi.
Tilintando seus bigodes
ele pensa em existir.
Logo existir.
O vento bate e eu sei porque.
O gato fala de antepassados.
De buracos na parede.
Língua de gato!
Língua de gato!
Mistério da vida.
Agulhas
são suas garras
agarrando as angústias.
Sentindo tudo no pêlo.
Eriça e atiça o segredo.
Brinquedo do meu avô,
que sabe quem brincou.



Marcelo Asth e Lucas Nascimento 
ao verem o gato descrito num capô de um carro na Lauro Muller

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Poema: Rio


RIO

Sou dessa maneira,
Dessa liberdade de rio.
Mas tenho margens.


Vou me espalhar
De nulo a Nilo,
De Nilo a Amazonas
Pra abarcar tudo aquilo
Que amarei nessas zonas
Sazonais da tua terra,
Meu leito dourado.

O rio estourou do meu peito.
Perfeito.
Estourado jorra feito orgasmo.
Pasmo. 


Marcelo Asth

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Poema: Troca

TROCA

Me convoca.
Troca no ato.
Me provoca.
Uma colisão.
Me cutuca.
Rua carioca.
Lambe a nuca.
Numa contramão.

Me encaçapa.
Bola e taco.
Me ensina.
Dá tua mão.
Me calcula.
O ponto fraco.
Me sinuca.
Tateação.

Me entoca.
Beco e eco.
Me enlaça.
Beiço e bossa.
Me constata.
Bico e boca.
Te resolve.
Vem, me cata.
Me envolve.
Num boteco.
Me revolve.
Me destrata.
Me expande.
Não me mata.

Não me apaga.
Sente tenso.
Sim, me queira.
Assim penso.
Me caduca.
Se assim não.
Não machuca.
Coração.


Marcelo Asth

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poema: Conflito



CONFLITO

Na falta de flores,
Os beija-flores, tão aflitos,
Vão procurar sua boca,
Provocar vários conflitos,
Pois seus lábios são tão doces
Como mel pra passarinho.
Se sua boca minha fosse,
Iria devagarzinho
Tirar todo o seu açúcar
Pra não ter nenhum perigo
De dividir sua boca
Com um beija-flor atrevido.


Marcelo Asth

Poema: Goela


GOELA

Antes do surto
o susto,
o temido desvario.
O rio que criei
desaguou na goela de um boi sedento.
E foi assim, desalentado, que lento, 
fui secando a terra
e fui rachando o solo
da mais bela quimera.
Que me erra.
Que me enterra.
Que me era uma vez.


Marcelo Asth

sábado, 16 de outubro de 2010

Poema: Pingos



PINGOS

Possibilidade de se encontrar
dentro de si a qualquer hora.
Em qualquer lugar que esteja perdido,
abaixo de alguma referência de partida.
Pode ser num tempo esgarçado
ou sejamos esses atemporais temporais 
que caem de um céu anacrônico
e lambuzam nossa densa mata
com os pingos gelados da chuva que nos leva.
A nós, que nús, nos lava.


Marcelo Asth



Oi Marcelo, tenho me encontrado ouvindo música e lendo cartas antigas. Tenho algumas fotografias, mas não tiro da caixa há tempos. Prefiro as palavras. Aqui tem caído algumas chuvas, mas nunca me molham. Amo a possibilidade da janela.

Não se resfrie!

Bloba



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Poema: Habitat


HABITAT

Creio em tudo isso.
Meu pensamento migrou de mente.
Habitualmente minha mente habita a tua
E sabendo disso, tua mente se sente nua.


Marcelo Asth

sábado, 9 de outubro de 2010

Poema: Catódico


CATÓDICO

Antanho
Outono castanho
Estranho antes de ti
Agora pastor e rebanho
De si, de dois
Juntando-se no banho
Espuma e jato médio
tépido arrepio
O raio catódico
Da televisão
Convulsiona o tédio
Mas gozo alegria
Planejando invasões
Invenção dos seus ventos 
Turbulento de euforia
Sou uma cabeça que pulsa
Pensante eterna do teu enigma
Quico constância no teu horizonte
Parece sexo a minha dança
Carece rima a minha folia
Bebe da fonte dos bêbados românticos
Completa aqui embaixo a frase
O que quero é ___________
Na mais alta ____________
Precisando que ______________
Sejam mortas ____________
Sobrepujo _________ de mar,
de cantoria ___________
____________ pra não conceber
A _________ da filosofia
Porque amo me ______
Pra amar-te em ___________
Pois planejo invasões
E jorro _______ e alegria
De beijar o teu ___________
Na espera da tua _________



Marcelo Azevedo



Marcelo, que é também Azevedo, não consegui completar as lacunas. Sou especialista em não conseguir. Eu vou te dizer que pela primeira vez venho reclamar dos teus poemas. Não pelo que escreve, mas pela quantidade de cartas. Viraram um capacho interno do meu quarto. A cama de cima do beliche vai estourar. Os envelopes levantam o volume. Estou postando o que posso, tenho me dedicado a isso. Não tenho nada pra fazer, além de pensar e ficar numa estranheza espetacular. Aí pego teus originais (será que são?) e passo pro computador, junto às fotos. Ontem recebi 34 poemas em envelopes de cores sortidas e grossa gramatura. Um cheiro em cada poema. 

Comecei a ir a um médico especialista que podia me ajudar a entender algumas coisas da minha vida e mente, mas eu senti que ele riu da minha loucura. Parece ser sério demais receber teus poemas por debaixo da minha porta, sem chance de truques. O que eu posso fazer? Palavras se infiltram.

O especialista me disse: enfrente seus medos. Aí então, sem muita abertura, mas seguindo o conselho, enfrento você, Marcelo: 

vá consumir alegria.

Bloba 

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Poema: Arde


ARDE

Te entendo
Por não me entender.
Te estendo
Por mão me conhecer.

Antes tarde
Do que só acompanhado,
Com o apanhado de si
No que só arde calado.


Marcelo Asth

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Poema: Rima


RIMA

Madrugada alegria,
Mistura de mistério,
Água e areia fina.
Sorriso de bacante,
Minha coisa minha,
Jeito de bacana,
Sede de salina.
Um tom exorbitante
Que alucina,
Que acelera,
Que ilumina
Minha imensa sina.
Que me encerra
Na espera densa
Dessa rota,
Minha rotina.


Marcelo Asth