domingo, 25 de dezembro de 2011

Poema: Miragem

MIRAGEM

Ao sabor de minha miragem
perco minha âncora em teu mar
- deserto de ondas bravias -
sedenta do sal que enferruja e morde
toda a dureza e o peso de mim
(pois teu mar é um coração silencioso,
profundo de mistério).
Ilha de mar, percorro como gaivota planando
e todo o cerúleo, escuro, frio oceano
cabe em minúscia no meu olhar.

Marcelo Asth

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Saí de Casa, Zabé da Loca

‎"Saí de casa pra beber água no mundo, quando vi, em um segundo, tinha um mar para nadar. Nada nadei, mar afora, mar adentro, só parei por um momento: comecei logo a rimar. Rima do boa eu ganhei em João Pessoa, ai ai ai que coisa boa, a ciranda me levar. Na maré-alta, maré-baixa, maré-cheia, se você não me aperreia, pego a onda e vou rodar. A onda, dentro da onda. Eu, dentro dela vendo o mundo a rodar. No vai-e-vem a vida passa ligeiro. Vou lá pro terreiro ver a onda passar. A onda, dentro da onda. Eu, dentro dela vendo o mundo a rodar. No vai-e-vem a vida passa ligeiro. Vou lá pro terreiro ver a onda passar."

Saí de Casa, Zabé da Loca

Poema: Velhicidade

VELHICIDADE


ver

Ele anda sondando
como um disco arranhando,
abrindo ideias estreitas
com sua força de Orixá
em máscara azul de um velho dragão -
e finge pegar fogo, aflito.
Nada me basta
e tudo me afasta:
horizonte não é sempre meta.
Por isso não me meto à besta,
de não me fazer festa
e sumir pelos ralos do rio
pra me escapar.

León Bloba

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Poema: Singular

SINGULAR


Bicho que cria coragem
rói o próprio dente.
Toda imagem calada
é um som silente.
Homem que cria saudade
ama diferente.
Toda a glória solitária
é um sol poente.

León Bloba

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Poema: Quando um rosto rui

QUANDO UM ROSTO RUI

Tinha visto num espelho
um rosto largado,
amputado de um corpo
que não era meu.
Larguei de cara minha máscara,
mas sem rosto não me identifiquei.
Uma cara amarrada
a um pescoço.
E mais nada.
Não quis mais me reconhecer.
Deixei lá refletida
a refletir meu enigma,
pois eu quis me conhecer.

León Bloba

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Poema: Sumaré I

SUMARÉ I

Ainda pede pra eu começar,
sendo eu, ponto final.
Puxo, então, um parágrafo -
e nada sai, senão tinta.
Pois nada há que dê sentido
às tortas rotas dos traços achados,
escondidas sob as nuvens que descem.
Céu de nódoas, névoas níveas,
há que sair antes da frente fria -
que meus pés de sangue quente erram passos por cegueira.

Bem-te-vi avisa: vai embora,
pois nem te vi, me anunciou
e agora deságua uma torrente
de pontos finais.

Iago Sanches

domingo, 13 de novembro de 2011

Poema: Verão

VERÃO


I

As amoras tingindo as calçadas.
As lagartixas subindo as sancas.
Os grilos tristes trilando às pencas.
Os vaga-lumes fingindo de estrela.
E as cigarras, fãs do astro rei.
E as cachoeiras lavando à beça.


II


As peles todas suando em bica.
O mar bicando areia aos poucos.
O sol poente morrendo às tantas.
As pás de vento girando aos trancos.
Morcegos tontos rodopiando às cegas.
Línguas sedentas na noite, aos beijos.
E essas luas tão altas, nos olhos.
E nossos olhos tão quentes, aos risos.

Marcelo Asth

Poema: Desejo

DESEJO

Vem de si o desejo de troca.
Vende-se o desejo de ter.
Vinda, se o desejo é de volta.
Solta, se o desejo é de ser.
Vista-se do desejo que falta.
Flauta se o desejo é de ar.
Arme-se no desejo de escolta.
Ame-se no que salta o prazer.
Pauta, se o desejo é escrever.
Mata se o destino é morrer.

Marcelo Asth

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Poema: Cheia

CHEIA

aos amigos do Ocupa Rio - Cinelândia

Uma roda me renova
quando cheia inunda a praça
e a palavra me abraça -
ouço a minha própria voz.
Território ocupado:
o mundo é meu,
gira ao contrário
do que leva à aflição
que nos tonteia.
Mundo é nosso,
renovado.
Eu sou quem
está ao meu lado.
Se eu pulso, tudo pulsa,
a praça é a veia.
Do que tomba,
do que salta,
do que bomba
o que bombeia.
Liberdade é andar
no meio de um praça 
cheia.

Marcelo Asth

domingo, 6 de novembro de 2011

Poema: Floresta

FLORESTA

a floresta uiva em mim com todos os medos
e percorro trilhas falsas de um curupira astuto
as flores me salpicam dos poros como erros retomados
e essa baba de seiva grossa me escorre da boca
com um gosto indecifrável de madeira deliciosa
carnaúba, copaíba, jatobá, ibira, pau duro que brota
atraindo as abelhas profusas que me ardem em mel morno

sou essa salamandra da madrugada
nata que não entende nada da mata
corisca e probante do imenso nada
toda a folhagem é o medo uivando em sede
tudo o que trila na calada soturna
treme o interior num gozo ansioso e sereno


se existisse alegria no mundo
espocaria de tanto delírio preso.

Marcelo Asth

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Poema: Criação

CRIAÇÃO
 para Rafael


É possível que os relógios titubeiem,
Que os olhos estremeçam,
Que as pálpebras latejem
E que a íris se expanda como um buraco negro
No momento delirante em que você adentrar meu foco.
É possível que haja tanta expansão
Que o seu mundo seja sugado pro meu universo
E que façamos um neo-Big-Bang,
Implodamos toda a história
E recomecemos já um nada a ver com tudo isso
Já estabelecido.
É possível que anjos visitem o momento,
Pra relatar num registro ou cantar celestiais
A ousadia dos Deuses e o Amor demiurgo.
É possível que façamos nova gente,
Iniciemos o paradigma de sentir a nova era,
Resetemos toda a ignorância soberba que atrasa toda a esfera.
E certamente atravessaremos o tempo
Desmontando todo o peso das largas horas estendidas no tapete de uma solidão do que já era.

Marcelo Asth

Poema: Múmia

MÚMIA


Vendo aquelas múmias carcomidas,
Fibrilando memórias em cascas de identidade,
Percebi que meu mundo é outro.
O mundo é agora,
Um que adentra o tempo vertiginoso, anos-luz,
Sem que dê tempo ao pensamento
(este é lentidão)
De perceber que estamos múmias carcomidas
No pó das constelações.

León Bloba

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Poema: Roda da Desafortuna

RODA DA DESAFORTUNA

Eu sigo a moda dos errados,
eu giro a roda da desafortuna.
Eu faço a foda dos tarados,
eu meço a poda dos galhos quebrados.
Eu canto um verso calado
e o que me sobra é a surda alegria.
Eu faço votos que o passado
seja talvez a minha companhia.

Marcelo Asth

Poema: MIM

MIM

Por tanta porta roída,
tanto cupim.
Pra cada rota esquecida,
muito capim.
Pra cada voo assustado,
muito jardim.
Pra repousar o meu rosto,
pausa de mim.

León Bloba

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Poema: Deus

DEUS

ouvi tuas preces para enxergar meu mundo
mas fui astuto em não saber de divindades
mesmo calado, feito santo esmorecendo
feito de mármore o teu deus vai renascendo
                  
é tão veloz toda a freqüência de um sussurro
veio num sonho navegando feito anjo
me colocou entre as paredes sufocando
e disse o tédio, o pejo, o ódio de momento

mas mesmo assim o teu altar merece velas
não para mim, que já toquei fogo no instante
é tanto ardor nas orações em que fervia
que minha imagem de cristal cedeu ao fogo

é tão velado o teu canto, tão profano
é sopro, pífano, fagote e cangote
onde imagino tua reza devotando
feito gaivota sobre um mar de roxo único

é peso bruto de uma estátua que admira
em meio à praça onde passam retumbando
todas lembranças que acenam pro meu pranto
me prometendo que não há nada acontecendo.

mas mesmo assim o teu olhar merece pétalas
e jogo rosas pra que atinjam este instante
é tanto amor e adorações que eu devia
que esta paisagem me esmagou tão delirante.

Marcelo Asth

Poema: Tanto Medo

TANTO MEDO

Deu tanto medo
Vou dizer
Deu tanto medo
Deu tanto espanto
Deu quebranto
Deu no nervo

Refiz meu pranto
Pra chorar
Quanto mais cedo
Mas vou dizer
Deu tanto medo
Tanto medo

Quando na cara
Se revela um segredo
e tudo para
apontando em mim um dedo
pra me chorar
refiz o espanto
engano ledo
me deu quebranto
deu no nervo
tanto medo.

Marcelo Asth

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Poema: Flecha

FLECHA

Se me desentendem
Sofro um pósconceito.
Pois que eu já fui, vim, voltei
E reinei ressignificado.
As pessoas têm paredes
E as paredes têm ouvidos.
Eu nunca.
Se eu parasse pra ouvir a mim,
Calaria.
Sou carregado de brecha
E trespassado de flecha,
Deixando assim
Vazar toda a luz
Que concentrei dentro do corpo,
caixa escura.

Virgínio da Calêndula

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Poema: Cócegas

CÓCEGAS

Quando, às cegas, na noite tateia,
Meu corpo alegre em cócegas ri.
Teus dedos vêm contar-me uns segredos...

Me convulsiono, tímido a descobrir
Que esses dedos contam-me convites
Pra passear em ti a nos sentir.

Parte de mim treme terremoto
E de minha boca saem estrondosos risos,
Quando teus dedos por mim passeiam
Despertando a pele em teu terreno liso -
Que se disfarça em pêlos assustados
E se reveste cheia de bolinhas.

E de tanta cócega e cosquinha,
Me acostumo e controlo o tremor
Ao repousar a tua mão na minha.

E os dedos,
A tatear torpor...

Marcelo Asth

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Poema: Assalto


ASSALTO



A poesia assalta o muro como a hera,
rizoma no que sobe lenta,
furando em esforço sutil
o silêncio que ninguém escuta.

A poesia assalta a lua
pendurada na linha
que divide o céu do mar.
Tem tudo nas mãos -
na tênue divisão do mundo -,
quando as plêiades
e as anêmonas
dançam juntas
procurando devorá-la.

A poesia assalta bancos de praças
e foge pelas ruelas de sereno e frio,
assalta as massas, esquinas de rios,
desertos, delírios, desejos
e as flores de um canteiro.
A poesia se tenta em arrastão,
lenta assalta os prédios altos.
Por dez mil janelas cinzas,
adentra o espaço entre frestas
e presta invade quartos.

A poesia assalta o poeta
pela alma, pela calma, pela cama -
refém na hora do sono -,
cavando fundo o estado alfa.

A poesia assalta a folha em branco
e por descuido não vê
a armadilha surpresa:

O poeta se põe a escrever.
A poesia, por fim,
é presa.

Marcelo Asth

Poema: Caleidoscópio


CALEIDOSCÓPIO



Este atrito de tempos
onde possuo buscas
e nada se atém...

Estou em cima da hora -
daqui melhor vejo tudo:
– O delírio deste mundo
é parar por um instante.

Líquida modernidade,
escorre fluida entre dedos.

Agarro meu vácuo
e vago vazio -
meu medo.
Inócuo vagueio.

Passeio por tantos;
muitos outros sendo.
Ao que reflito,
a mim me divido:
tonteio de caleidoscópio.

Meu ser se quer solidez,
mas tudo me corta
e devoro tudo -
Identidade antropófaga:
me centrifugo.

Há tanta coisa no mundo
que não mais me escolho.

Sabendo-me solidão,
solidariamente me dôo -
desejo de cingir laços
e outros vestígios frouxos...

Há tanto mundo nas coisas
que, por hora, me encolho.

Escorro.

Minha aura imanente,
porosa me deixa passar.
Fragmento minha essência:
Quando só, nunca aconchego.

Em companhia da ausência
rumino meu desassossego.

Marcelo Asth

domingo, 28 de agosto de 2011

Poema: Penso

PENSO

Ando tanto te pensando
que me deixo num canto.
E meu pensamento te ama
pelo desejo de se refazer,
eternamente.
Sei de você
por querer saber quem sou.
E te sonhando
crio um infinito
que sempre visito.
Penso amor.

Marcelo Asth

Poema: Dia

DIA

Meu cotidiano: você,
meu primeiro raio do dia,
certeiro no olhar da promessa.
Companhia de café quente,
cara amassada,
voz baixa de carinho exato.
Tarde de abraço quente,
cabeça no colo,
expressão de um pensamento.
Lusco-fusco de riso frouxo,
dança a dois de música louca.
Noite de segurança -
passeio nas linhas das mãos com dedos
e acabo viajando 
pela totalidade de seu corpo.
Meu cotidiano: você,
meu último suspiro do dia,
certeiro no ouvido de uma festa.

Marcelo Asth

Poema: Algo

ALGO

Algo
maior que tudo
maior que um verso montado
mais denso que um berro na boiada
mais molhado que o fundo de um rio d'água
mais longo que uma distância entre dois planetas
menos tenso que uma tarde feita de mágoa
menos ronco que um homem na cama
menor que um jovem coroado
menor que nada
algo.

Marcelo Asth


sábado, 20 de agosto de 2011

Poema: Enigma

ENIGMA



Nos roscofes, que a hora bata
Uma dúzia das badaladas!
Em série, os nefelibatas
Largam pistas pelo solo...
Avantesmas obumbrados
Pelo fog à meia-noite
Visitam o vetusto parque
A deleitar-se em convescotes.
Evadem prestos, tão céleres
Das catacumbas de homizio,
Que abrolham aragem em fúria
Na pressa de suas vertigens.

Favônios sopros de Zéfiro
Fugidios em vigília,
                          Caçoam dos que não sabem,                          
Abafados no significado.
Espectros desbotados
Com suas íris rubicundas
Estão vagando obtusos
Em rastros de malacachetas.

Vê-se tão nítida
A arruaça deste bando,
Que os patuscos, vez em quando,
Assombram com fogo-fátuo
As vítimas que, pelas fenestras,
Miram a rua e secam em insônia.

Ruando recônditos
Em festas nefastas,
Assombram ventando
E cantando nas frestas.
Se manifestam nesta forma
Se infestando deste modo,
Imbuídos de frêmito
E embebidos de espasmos.

Os encontros dos fantasmas
São meras balbúrdias frugais,
São puras reminiscências
De outros tempos atrás.
Soltos sem refreamento
Vagam donos do recinto,
Ignoram acolhimento
Zombando nada sucintos.

São rapazolas perdidos,
Insanos no éter do tempo,
Fedendo ao mofo dos séculos,
Cometendo sons fatídicos
Em místicos mistifórios,
Antes mesmo do dilúculo,
Em ridículos ruídos fluídicos.

Tombai as tumbas por hora –
Seus nomes não dão pra bispar!
Soturnos em pânria e porre;
Nuviosos vapores de ar.
São mitigados dos livros,
Mastigados pelas traças
Dos registros desta urbe
Perturbada de arruaças.

E ao pó por regressarem,
Os alfarrábios volumosos
São arcanos tão despidos
Que enfadam estudiosos.
As esfinges exploradas
Patenteiam-se maiores.
As cascas que as eras soltam
Já eram nos arredores...

Proliferam em demasia
Em gabolice farreada,
Falando as línguas mortas -
E ninguém entende nada.
Usando as palavras prolixas,
Pedantes almas penadas
Usavam, assim, bem antes,
Palavras já desusadas.

O enigma está tácito.
Taciturnos devem olhar
Para além dos dicionários
E com táticas decifrar.
O verbo virou esbórnia.
Falta apenas desvendar-se
E vender a onírica passagem
Desta cancha tão sombria.

Nos campos dos cemitérios,
Quem anda por lá levita
Acima do deletério
Das fumaças das ruínas.
Por isso é que não tropeçam
Nos mistérios das latrinas,
Que fétidas servem de catre
Quando alastra a matina.

Logo brota o sol e desponta
Os raios que o silêncio evoca.
Cessam a algazarra por hora,
Retornando às suas sombras.
Dormem esporos na alfombra
Despedindo-se no escombro...
Se cobrem pasmos de assombro
Quando estoura a aurora.

Salatiel Brüm